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"A declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade das partes."


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A cessação do contrato de franquia – a problemática dos bens em “stock”
O contrato de franquia, usualmente denominado de “franchising”, nascido no século XIX nos Estados Unidos da América, rapidamente adquiriria um relevo no mundo empresarial sem precedentes.

Neste tipo de contrato, atípico (que não dispõe de uma disciplina legal própria), um empresário – o franquiador – concede a outro empresário – o franquiado – o direito de exploração e fruição da sua imagem empresarial e respetivos bens imateriais de suporte (mormente, a marca), no âmbito da rede de destruição integrada do primeiro, de forma estável e a troco de uma retribuição.

À caracterização de tal contrato é essencial a indicação dos seus elementos distintivos, a saber: (i) a fruição da imagem empresarial do franquiador; (ii) a transmissão do “know- how” e assistência técnica; (iii) o controlo e fiscalização do franquiado; (iv) a onerosidade; e finalmente (v) um contrato-quadro.

Diante do exposto, cumpre referir que este tipo de contrato conhece diversas modalidades, entre as quais podemos encontrar a “franquia de distribuição”, “franquia de serviços” e a “franquia de produção”. Assim, incumbirá às partes a escolha do modelo negocial que pretendem prosseguir, e nesta matéria é importantíssimo definir, à priori, as regras que irão regular o destino dos bens em stock, após a cessação do referido contrato.

No âmbito dos diversos modelos de franquia que referimos supra, prevê-se e regula-se a obrigação das partes de concluírem subsequentemente contratos futuros, geralmente de compra e venda, entre si ou com terceiros. Com efeito, cessado o contrato de franquia, põe-se o problema do destino a dar aos bens que o franquiado adquiriu ao franquiador e que ainda não revendeu.

Ora, com a cessação do contrato de franquia, o ex-franquiado deixa de poder servir-se dos produtos adquiridos no âmbito da execução do contrato de franquia, de que é proprietário, e ser-lhe-á muito difícil escoar esses produtos sem ser no âmbito desse acordo, a não ser com uma redução substancial do preço, inferior àquela a que os adquiriu.

Em consequência, o ex-franquiado pode sair gravemente lesado neste tipo de situações, até porque são usualmente inseridas nestes contratos cláusulas de “mínimo de compra obrigatório”. Acresce ao predito que, muitas vezes, aquele fica vinculado a cláusulas de “não concorrência pós-contratual”, o que o PUB impede de comercializar esses produtos. A solução do nosso problema passa por saber (i) quem pôs fim ao contrato e qual a forma de cessação em concreto utilizada; (ii) determinar a razão da existência do stock ou, pelo menos, do seu volume.

Acresce ao referido que a questão do destino dos bens em stock só se deverá colocar, em princípio, nos casos de:

(a) caducidade do contrato por morte do franquiado;

(b) resolução desse negócio jurídico pelo franquiado devido ao incumprimento pela outra parte dos seus deveres contratuais;

(c) resolução do contrato com base em justa causa objetiva (por analogia, artigo 30.o, alínea b), do Decreto-Lei n.o 178/86, de 3/7), e

(d) denúncia do contrato pelo franquiador.

A estes elementos importa adicionar um outro. O problema em apreço só terá importância, se a quantidade de bens, ou até a sua própria existência, resultar de um exercício de gestão prudente do ex-franqueado, o qual prevê a prossecução da relação contratual, maxime sempre que a obtenção desses bens tiver sido contratualmente sujeita ao ex-franquiado por disposições de compra mínima. Portanto, nos casos em que a mercadoria tenha sido adquirida em excesso, i.e., para além do mínimo obrigatório, deve o ex-franquiado suportar o risco da venda ou não desses bens. Ficando, todavia, excluídas desta problemática as restantes formas de cessação do contrato.

Pelo exposto, julgamos que, e dentro do espectro traçado, recai sobre o ex-franquiador a obrigação de retomar os bens ao seu atual preço – podendo, todavia, contemplar-se alguma depreciação –, ou então autorizar que o ex-franquiado possa continuar a usar, mesmo após a cessação daquela relação contratual, os sinais distintivos do comércio por um período de tempo razoável, única e exclusivamente, para escoar os bens em stock. Todavia, e atendendo ao equilíbrio de interesses em jogo, a escolha por uma ou outra opção sempre será do franquiador.

Em face do exposto, recai sobre o ex- franquiador uma obrigação alternativa, nos termos do disposto no artigo 543.o do Código Civil (CC). Importa, por ora, determinar qual o suporte jurídico desta obrigação.

Começando por uma delimitação negativa, pese embora se verifiquem os pressupostos de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa (cfr art. 473.o do CC), na verdade, e em bom rigor, o legislador português concebeu este instituto com carácter subsidiário, i.e., só nasce a obrigação de restituir quando a lei não facultar “ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído (...)” (cfr. art. 474.o CC). Ora, e como iremos ver infra, a lei consagra outros meios legais para que o empobrecido possa ser indemnizado ou ser restituído por outra via, motivo pelo qual este instituto se afasta liminarmente.

Dito isto, impõem-se três soluções defensáveis para que se possa obrigar o ex-franquiador à escolha de uma das opções supra identificadas.

Por banda da primeira solução, poder-se-á argumentar com base no artigo 239.o do CC, que, se entendermos que os contratos de franquia, nesta matéria, contêm uma lacuna, estará legitimada o recurso àquela norma, o que nos levará a concluir pela existência de uma disposição nos termos supra expostos ou, mesmo, eventualmente, sustentar que esses negócios jurídicos foram concluídos sob condição resolutiva. Todavia, teremos de ter em linha de conta que aquela norma prevê que “ (...) a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade das partes (...), ”. Ora, nesta matéria não se vislumbra que o franquiador, quando é ele próprio que fixa as regras do jogo com recurso às cláusulas contratuais gerais, pudesse criar qualquer eventual encargo futuro para si.

Contudo, não podemos desprezar que, e atendendo às circunstâncias ligadas à cessação do negócio e, à razão do nível do stock existente, esta solução contrariaria os ditames de boa-fé, e por essa razão, a vontade hipotética das partes deve ser corrigida em conformidade com este princípio, de acordo com o que as partes, segundo a boa-fé, “devem querer agora e não o que deveriam ter querido”.

No seguimento da anterior, a segunda solução impõe um dever legal que impende sobre o ex-franquiador, pós-contratual, resultante da cláusula geral da boa-fé do artigo 762.o, n.o 2, do CC.

Neste tipo de relações contratuais, que, pela sua natureza, contêm obrigações complexas, é perfeitamente normal que após o cumprimento da prestação principal, seja ainda possível sustentar a existência de deveres acessórios que perdurem para além do término daquela relação. Ora, tendo em conta os especiais deveres que se impõem às partes no decurso destes negócios, podem igualmente impor-se deveres acessórios de conduta, mesmo depois da extinção da obrigação.

De acordo com o exposto, e face às minudências do referido contrato, parece claro que se estabelecem no mesmo particulares e apertados laços de cooperação, probidade e confiança entre as partes. Com efeito, e cessando a relação contratual nas condições referidas, é notório que o ex- franqueado fica numa posição enfraquecida e, por isso, se deve impor ao ex-franqueador, de acordo com as regras gerais, a recompra dos bens remanescentes.

Por último, sempre se poderia sustentar a recompra dos bens nos casos em que a cessação do contrato faça incorrer o ex- franquiador em responsabilidade civil. Assim, um dos danos sofridos pelo ex-franquiado pode dizer respeito aos bens ainda em stock. Com efeito, o ressarcimento do dano deve sempre, dentro dos limites do disposto no artigo 564.o, n.o 1, do CC, fazer-se pela via natural, só sendo admissível o recurso à indemnização pecuniária nos casos em que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Pelo exposto, somos da opinião de que a obrigação alternativa seria a forma mais justa e adequada de proceder à reparação do dano sofrido pelo ex-franquiador, todavia, na hipótese de morte do franquiador só poderá valer a hipótese do artigo 762.o, n.o 2, do CC. Com efeito, neste temática a obrigação referida que recai sobre o ex-franquiador é aquela que melhor se coaduna com a imposição de recompra dos bens ou conceder ao franquiado um determinado prazo para que possa escoar os produtos em stock. Não nos esqueçamos, e como já dissemos, que a escolha de alguma das prestações incumbe ao ex-franquiador, mas sempre dentro das duas alternativas que mencionámos, o que nos permite concluir que este género de soluções deve, sempre que possível, ser regulada no contrato de franquia.
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